Ressignificando...

Quase perto do final de 2010 consigo retomar o caminho para o meu blog, tentando lembrar de uma "bendita" senha, mas, mesmo sem ela, este não foi um ano de muita inspiração. Ou melhor, inspiração até que tive, faltou mesmo vontade tempo/prioridade para escrever. Me senti sem diposição, cansado física e mentalmente por conta da loucura de conciliar trabalho, estudos, estágios, aulas, entre outras coisas.

O corre-corre a que nos disposmos viver nos engole a vida e quando nos damos conta disto, e infelizmente só nos damos conta, quando o risco de um "curto-circuito" existencial iminente, parece indicar que o nosso "sistema" vai pifar, e certamente algum "ponto" acabará queimando e não funcionando mais.

Isto é terrível. Mas a gente só pensa em parar pra consertar algumas coisas em nós mesmos quando a "catinga" de coisa queimando faz-se sentir mais forte. Vamos vivendo automaticamente neste tempo, achando que com simples "cliks" em nosso controle remoto, iremos mudar os canais da nossa vida que não nos agradam tanto. A vida urbana e sua filosofia utilitarista vai consumindo a gente encerrando-nos na ilusão medonha de que , tendo correria e algum dinheiro a vida tá boa, apesar de toda bagunça e confusão interna.

Mas a vida nos dá uma chance. Em meio a este deserto em sequidão de plenitude, a gente encontra um oásis e tem a possibilidade de se refrescar, parar um pouco, ou seja, podemos ressignificar a vida, mesmo que sejamos forçados pelas próprias circunstâncias.

Há mais de dois meses este tempo chegou para mim. Precisava fazer algumas ressignificações sobre a minha vida ou sobre as coisas que fazem parte dela. Ressignificar meu trabalho, minha relação com Deus, meus sentimentos afetivos, minhas relações de amizade e familiares. Tudo isto, inevitavelmente me faz pensar ou me desinstala da minha posição no mundo, aqui e agora, e me move para um lugar que ainda não sei. Mas, é necessária esta mobilidade desorganizadora que começa por dentro e tem reflexos fora de mim, que se expande em espaços, em pessoas e parece fazer da minha vida algo instigante de correr atrás e vivenciar tudo ou quase tudo como se fosse novo.

Entendo que se dar às ressignificações seja uma atitude não somente necessária, mas vital, porque algumas coisas que iremos realizar poderão até ser novas ou inéditas, porém, na maioria das vezes, o que ressignificamos continuará a fazer parte da nossa vida por muitos anos, porque fazem parte da rotina que se estabeleceu ou optamos para nossa vida. Mesmo sendo ressignificações sobre questões que nós mesmos escolhemos, elas se fazem necessárias porque as vivências nos transformam mesmo que não percebamos, o que é mais comum, por isso a rotina, por vezes nos coloca na encruzilhada da vida.

A rotina só se torna um "saco" quando não nos dispomos corajosamente a repensá-la e encontrar um novo sentido para. A rotina poderá ser nossa "aliada" para os momentos de "refúgio secreto", mas sacana, nos embreagando nas muitas atividades que assumimos, pois assim, fica mais fácil encontrar desculpas para não enfrentarmos a nossa realidade caótica. As muitas tarefas em nossa louca rotina tornam-se uma de rota de fuga, escapismo ou válvula de panela de pressão.

Na intenção de compartilhar algumas das minhas ressignificações é que, antes deste ano de 2010 acabar, tão "cheio de coisas", é que resolvi escrever algumas linhas sobre algumas áreas da minha vida que envolvem afetividade, espiritualidade e trabalho.

Relacionamento Afetivo
Discutir a relação, a famosa DR parece ser uma questão tão óbvia e natural dentro de uma relação a dois, mas, quando você se relaciona com uma pessoa dentro e fora do seu ambiente de trabalho, tudo o que parece ser simples muda de cenário e toda a paixão, tesão, respeito, admiração, isenção e demais "ãos", "ões", parecem ficar em suspenso. O risco de tudo se confundir é muito grande. Me relacionei com uma pessoa maravilhosa e especial. Mas viver esta relação afetiva no ambiente de trabalho e fazê-la permanecer saudável, ainda mais quando o trabalho exige de você resultados de alta perfomance, é um grande desafio e poucos conseguem esta proeza e eu não fui um destes que heroicamente conseguiram. Na realidade minha relação foi e veio algumas vezes neste ano por algumas razões que não são razoáveis comentar aqui, mas, separar o que é de fora e o que é de dentro do trabalho é muito complicado e talvez impossível. Ou seja, a gente faz o que consegue. Algumas vezes ou na maioria das vezes não consegui. O rompimento era quase inevitável. Às vezes o rompimento permiti-nos reorganizar as ideias e algumas ideias já organizadas foram estas:

a) Se eu pudesse escolher mudar de trabalho para poder dar uma chance ao meu relacionamento, teria feito isto. Talvez tivesse evitado os desgastes de alguns momentos. Mas como os desejos não se concretizam de maneira tão fácil, ainda mais quando falamos de mercado de trabalho, precisei exercitar a tranquilidade, a serenidade em meio ao estresse, o silêncio algumas vezes, o afastamento intencional, mas como falei, é inevitavelmente difícil de separar o que é de dentro e o que é de fora vendo a outra pessoa todos os dias, mesa com mesa; O jeito é tentar enxergar alguma poesia em meio a confusão sem muita culpa ou desculpas.

b) O amor ou toda relação necessita experimentar a ausência. A falta, a não presença é que mantém o encantamento. A ausência cria o espaço e lugar para a saudade. O espaço para a saudade é fundamental para a continuidade da admiração, do desejo. O Afastamento é importante para a vida a dois. Estar perto é bom, mas tudo o que é demais até para o amor, é ruim! Se ver todos os dias ou fazer as mesmas coisas todos os dias pode confundir o senso de singularidade, de autonomia. Para a liga do amor, a autonomia é um ingrediente indispensável.

Relacionamento com Deus (Espiritualidade)
O meu ponto de partida e chegada quando falo de espiritualidade é a concepção cristã. Acredito no evangelho de Jesus Cristo como o cessar de toda a busca humana por sentido na vida. O senso religioso ou a inclinação para crer, que está em todo ser humano, até naqueles que se dizem ateus, só encontra satisfação plena, na minha opinião, em Jesus. Desde os meus 15 para 16 anos que me identifico como cristão e ainda hoje com meus 35 anos esta é uma afirmação real. O ano de 2010 foi o tempo ou tem sido ainda o tempo de repensar o viver em comunidade, servir e viver o evangelho e sobre estas coisas as minhas ressignificações foram:

a) O bem que a comunidade nos faz, não é que nela encontraremos pessoas que nos influenciarão a sermos perfeitos. Que no contato com elas nos irradiaremos de "fluídos" de uma energia transformadora. Mas, o contato com pessoas que se enxergam em suas limitações e imperfeições nos proporciona uma "sala espelhada". Ao me perceber como gente, percebo o outro como igual e neste fluxo de imperfeições percebidas e reconhecidas, a nossa identidade como ser humano /cristão se evidencia, é fortalecida para que em nossa fraqueza a nossa dependência do outro e de Deus seja a única alternativa e via de acesso ao amor fraternal e à tolerância.

b) Viver em comunidade é um exercício contrário à minha natureza humana. Não foi sem sentido que Jesus promoveu a "eclesia". É em comunidade que nos conhecemos melhor e os outros percebem as nossas qualidades e imperfeições. Todas às vezes que não quero viver em comunidade é porque estou relutante em afirmar para mim mesmo aquilo que precisa ser encarado de frente em busca de uma mudança. Todas às vezes que repulso a vida em comunhão é porque há deleite na minha arrogância achando que estou com a razão. Convivendo com meus amigos e irmãos, mesmo que eles não me digam nada objetivamente, nas conversas e encontros simples com eles sou abençoado e me ensinam o caminho do reencontro com Deus e comigo mesmo.


Trabalho/Vida Profissional
Trabalhar é uma bênção! Adoro o que faço! Mas quando a nossa atividade profissional toma o espaço da vida é porque alguma coisa está errada, na maioria das vezes com a nossa vida mesmo e não com o trabalho. O que pode ser entendido como bênção, ganha ares de maldição porque pode-se tornar também como fuga para nossa desorganização interna. O trabalho é para vida e não a vida para o trabalho. No mundo competitivo que vivemos falar desta maneira parece um absurdo, mas não é! Não vale a pena perder a vida pelo trabalho. Falo por minhas ressignificações. Há quem não concorde, mas ressignificando esta área da minha vida cheguei à algumas conclusões:

a) Não posso deixar que o trabalho me qualifique como pessoa. Certamente algumas pessoas farão ou terão impressões sobre você a partir das suas realizações profissionais, e estas são inevitáveis até certo ponto. Contudo nao quero imprimir a minha marca de competência, eficiência e habilidade deixando inebriado o que de fato sou como pessoa/gente. Colocar-se enquanto pessoa em um ambiente de trabalho e ser respeitado por isto é uma das coisas mais difícies que existem, porque são nestes ambientes que temos confundida a nossa eficiência com a nossa personalidade. Se não agimos dentro do pacote de expectativas eestipulado "parece" que não estamos na mesma sintonia. Não quero perder de vista os resultados, eles são importantes dependendo da cultura da empresa. Mas jamais, os resultados determinarão o que sou como pessoa, nem para aquém, nem para além daquilo que devo ser ou que sou.


Como fruto de algumas ressignificações e mobilizado pelo desejo de continuar bem comigo mesmo, com Deus , com as pessoas que gosto e viver motivado para o trablalho tomei algumas decisões que estão me fazendo muito bem:

1- Quando tenho a opção de escolher prefiro almoçar em casa e estar mais presente na minha família;
2- Vou aproveitar minhas férias sem resolver coisas do trabalho;
3- Comprei uma bicicleta e já comecei a dar minhas pedaladas por aí, contemplando tantas coisas lindas que estavam despercebidas.
4- Vou continuar ressignificando tudo... Esta é a única maneira de encontrar sentido renovado para a rotina da vida.

Palmares na Lama e no Caos



Nesta quarta-feira (23/06/10), véspera de São João, ainda estive em Palmares pela manhã com mais duas pessoas para levar roupas, calçados, comida e principalmente água. Resultado do esforço e doação de muitos que ligaram e que nem conheço pessoalmente.

O cenário ainda é de destruição, desolação, tristeza e dor. As pessoas andavam de cabeça baixa e um clima de tensão e dúvida pairavam no ar, junto com o mau cheiro da lama espalhada por todos os lugares. Nunca vi algo parecido em toda a minha vida. As pessoas que estavam comigo hoje, Adriana Luzia e seu Pai (Sr. Deco) ficaram impressionadas, mas não tão impressionadas quanto eu Pedro e George ficamos na segunda-feira logo após a invasão das águas na cidade.

A minha sensação foi a de que uma bomba havia implodido em Palmares. O cenário era de guerra. Pessoas nas ruas sem direção, entulhos, lama, casas totalmente destruídas, postes caídos, pontes derrubadas, carros revirados e a constatação de que a violência da água foi muito maior do que os jornais divulgaram.

Somente quem vê com os próprios olhos, pode se aproximar do conteúdo emocional daquilo que tento descrever agora. Porque na verdade, não há palavras para descrever o que aconteceu ali, a não ser que o caos se estabeleceu e demorará muito tempo para que as coisas voltem ao normal.

Não há energia, não há água para beber e nem para higiene pessoal. Não há comida para a maioria da população, porque não teve como escapar desta situação e salvar algumas coisas. Os que escaparam salvaram suas vidas e ficaram apenas com a “roupa do couro”.

Não consegui dormir bem depois que voltei de lá na segunda-feira. A minha mente acelerada não me deixava parar de pensar nas imagens das pessoas saqueando lojas do comércio inteiramente destruído, catando não sei o que nos entulhos, outros lavavam comidas no chafariz da praça central, a cidade totalmente enlameada, o olhar de afliação das pessoas, e também das imagens de destruição dentro da casa da mãe do Sérgio “Boi”, para aonde fomos de maneira emergencial tentar retirar a lama e resgatar parte de seu equipamento de som totalmente coberto pelas águas e pela lama. O que vi dentro da casa foi incrível! Simplesmente inacreditável! A marca na parede indicava que a água havia chegado ao primeiro andar e na casa de sua sobrinha ao teto do primeiro andar.

Hoje apesar de toda a desorganização ainda instalada, alguns policiais tentavam organizar e controlar o trânsito e o acesso ao centro da cidade, que foi a parte mais castigada por estar junto com algumas casas mais próximas ao rio que corta a cidade. Vi alguns homens da Celpe tentando restabelecer a energia, tratores retirando parte de entulhos na tentativa de deixar menos chocante aquele cenário de destruição.

Algumas ruas estão interditadas ou por muito entulho ou porque estão trabalhando nelas. Ao ligar para o pastor Cefas, que também perdeu a sua casa e tem a estrutura de sua igreja comprometida, soube que estava em uma reunião com algumas outras lideranças religiosas, políticas e comunitárias, pensando em ações em prol da população. Que bom que pessoas começam de forma resiliente a unir as forças para superar esta tragédia. Soube que o batalhão de polícia, a faculdade e a Igreja Presbiteriana estão servindo como ponto de arrecadação e recebimento de doações.

Consegui chegar à casa da mãe do Daniel Podsck para entregar alimento, água e roupas, mas não consegui encontrar uma senhora chamada Eleonilda que está abrigada numa escola pública, mãe de um rapaz que mora em Recife chamado Arthur. No caminho antes de chegar em Palmares falei ao telefone com ela e me disse que estava precisando de um colchão, roupa de cama e de frio. Estou preocupado e triste por não poder chegar lá, pois a rua estava interditada e o acesso estava muito prejudicado. Minha esperança é que tudo o que deixamos possa chegar a ela também.

Palmares ainda precisa de muita ajuda assim como as outras cidades atingidas pela cheia em Pernambuco. As pessoas precisam da nossa ajuda! Vale à pena ir lá e levar mantimentos para os postos de recebimento de doações. Acelerar este processo de entrega e chegada destes mantimentos é importante. Vale à pena levar pás, enxadas e ajudar as pessoas a limparem suas casas, ninguém rejeitará ajuda de “estranhos” neste momento.

Vale à pena continuar as mobilizações entre amigos e vizinhos e redes sociais. Certamente a grande maioria da população continuará precisando de bastante água, comida, roupa, material de higiene pessoal e até alguns eletrodomésticos. Vale à pena arregaçar as mangas e ajudar aqueles que estenderão o “são João sem festa” por muito tempo, pois durante algumas noites estarão à beira de uma fogueira em frente às suas casas para afastar o breu inevitável, o frio e o risco de saques.

Vale à pena, aos que puderem obviamente, não acompanhar as notícias pela televisão apenas. Vale à pena marcar presença, estender a mão de fato e ser solidário neste momento.

Morrer na Causa (Homenagem a Zilda Arns)


Maior honra do que morrer por uma causa, tem aquele(a) pessoa que morre na causa, realizando-a, lutando por ela. Foi assim que soubemos da morte no Haiti da médica sanitarista e idealizadora da pastoral da criança no Brasil e fundadora de tantas outras pastorais deste tipo em outros países, Zilda Arns. Antes de todas as atribuições que esta notável mulher venha ter e receber, penso que ela deve ser lembrada como ser humano, gente cheia de amor. Pessoa que expandiu o dom de amar a tantos outros que, esquecidos e desamados pela vida, encontraram em sua ação humanitária/profissional/ministerial(serviço), esperança e alento em meio ao sofrimento.

Zilda Arns logo depois de proferir um discurso numa igreja no Haiti, conversava com alguns sacerdotes quando foram surpreendidos pelo terremoto. Segundo informações da internet, ela foi atingida na cabeça e morreu na hora, aos 75 anos de idade. Que tragédia!

Hoje, quero prestar a minha singela homenagem e solidariedade à família Arns pela vida inspiradora da mãe, avó, médica e mulher Zilda Arns que deixa um grande legado e exemplo de humanidade.

Exemplos como o da Zilda Arns, me fazem lembrar de outras pessoas que morreram na causa como a missionária Dorothy Stang, morta no Pará em 2005 aos 73 anos, com seis tiros na cabeça por revelar a injustiça contra pequenos agricultores do meio da floresta e defender a reforma agrágria em nosso País. Lembro-me de pessoas como Chico Mendes e tantos outros que anonimamente tiveram suas vidas seifadas de maneira trágica, enquanto estavam "lutando por/nas" suas causas.

Exemplos como o da Zilda Arns, me fazem lembrar de Jesus que morrendo na causa do Evangelho nos ensinou que a fé sem obras é morta. Que não basta apenas crer, mas realizar, entregar-se. A Zilda Arns encarnou o evangelho.

Quero também prestar a minha solidariedade aos haitianos já tão sofridos e castigados pela pobreza e abandono público ao longo de tantos anos. Espero que de alguma forma em meio ao caos e escombros renasçam a esperança e a força para reconstruírem a vida. Solidarizo-me às famílias de outros brasileiros militares que em missão de paz, também morreram na causa.

A todos que morreram entregando suas vidas a outras pessoas no Haiti e sobre cada família que sofre a dor da perda,desejo que descansem e encontrem a paz em seus corações.

Descanse em paz Zilda Arns!
Que maravilhoso e inspirador exemplo de vida, dedicação e amor às pessoas!
O mundo sentirá sua falta.