Palmares na Lama e no Caos



Nesta quarta-feira (23/06/10), véspera de São João, ainda estive em Palmares pela manhã com mais duas pessoas para levar roupas, calçados, comida e principalmente água. Resultado do esforço e doação de muitos que ligaram e que nem conheço pessoalmente.

O cenário ainda é de destruição, desolação, tristeza e dor. As pessoas andavam de cabeça baixa e um clima de tensão e dúvida pairavam no ar, junto com o mau cheiro da lama espalhada por todos os lugares. Nunca vi algo parecido em toda a minha vida. As pessoas que estavam comigo hoje, Adriana Luzia e seu Pai (Sr. Deco) ficaram impressionadas, mas não tão impressionadas quanto eu Pedro e George ficamos na segunda-feira logo após a invasão das águas na cidade.

A minha sensação foi a de que uma bomba havia implodido em Palmares. O cenário era de guerra. Pessoas nas ruas sem direção, entulhos, lama, casas totalmente destruídas, postes caídos, pontes derrubadas, carros revirados e a constatação de que a violência da água foi muito maior do que os jornais divulgaram.

Somente quem vê com os próprios olhos, pode se aproximar do conteúdo emocional daquilo que tento descrever agora. Porque na verdade, não há palavras para descrever o que aconteceu ali, a não ser que o caos se estabeleceu e demorará muito tempo para que as coisas voltem ao normal.

Não há energia, não há água para beber e nem para higiene pessoal. Não há comida para a maioria da população, porque não teve como escapar desta situação e salvar algumas coisas. Os que escaparam salvaram suas vidas e ficaram apenas com a “roupa do couro”.

Não consegui dormir bem depois que voltei de lá na segunda-feira. A minha mente acelerada não me deixava parar de pensar nas imagens das pessoas saqueando lojas do comércio inteiramente destruído, catando não sei o que nos entulhos, outros lavavam comidas no chafariz da praça central, a cidade totalmente enlameada, o olhar de afliação das pessoas, e também das imagens de destruição dentro da casa da mãe do Sérgio “Boi”, para aonde fomos de maneira emergencial tentar retirar a lama e resgatar parte de seu equipamento de som totalmente coberto pelas águas e pela lama. O que vi dentro da casa foi incrível! Simplesmente inacreditável! A marca na parede indicava que a água havia chegado ao primeiro andar e na casa de sua sobrinha ao teto do primeiro andar.

Hoje apesar de toda a desorganização ainda instalada, alguns policiais tentavam organizar e controlar o trânsito e o acesso ao centro da cidade, que foi a parte mais castigada por estar junto com algumas casas mais próximas ao rio que corta a cidade. Vi alguns homens da Celpe tentando restabelecer a energia, tratores retirando parte de entulhos na tentativa de deixar menos chocante aquele cenário de destruição.

Algumas ruas estão interditadas ou por muito entulho ou porque estão trabalhando nelas. Ao ligar para o pastor Cefas, que também perdeu a sua casa e tem a estrutura de sua igreja comprometida, soube que estava em uma reunião com algumas outras lideranças religiosas, políticas e comunitárias, pensando em ações em prol da população. Que bom que pessoas começam de forma resiliente a unir as forças para superar esta tragédia. Soube que o batalhão de polícia, a faculdade e a Igreja Presbiteriana estão servindo como ponto de arrecadação e recebimento de doações.

Consegui chegar à casa da mãe do Daniel Podsck para entregar alimento, água e roupas, mas não consegui encontrar uma senhora chamada Eleonilda que está abrigada numa escola pública, mãe de um rapaz que mora em Recife chamado Arthur. No caminho antes de chegar em Palmares falei ao telefone com ela e me disse que estava precisando de um colchão, roupa de cama e de frio. Estou preocupado e triste por não poder chegar lá, pois a rua estava interditada e o acesso estava muito prejudicado. Minha esperança é que tudo o que deixamos possa chegar a ela também.

Palmares ainda precisa de muita ajuda assim como as outras cidades atingidas pela cheia em Pernambuco. As pessoas precisam da nossa ajuda! Vale à pena ir lá e levar mantimentos para os postos de recebimento de doações. Acelerar este processo de entrega e chegada destes mantimentos é importante. Vale à pena levar pás, enxadas e ajudar as pessoas a limparem suas casas, ninguém rejeitará ajuda de “estranhos” neste momento.

Vale à pena continuar as mobilizações entre amigos e vizinhos e redes sociais. Certamente a grande maioria da população continuará precisando de bastante água, comida, roupa, material de higiene pessoal e até alguns eletrodomésticos. Vale à pena arregaçar as mangas e ajudar aqueles que estenderão o “são João sem festa” por muito tempo, pois durante algumas noites estarão à beira de uma fogueira em frente às suas casas para afastar o breu inevitável, o frio e o risco de saques.

Vale à pena, aos que puderem obviamente, não acompanhar as notícias pela televisão apenas. Vale à pena marcar presença, estender a mão de fato e ser solidário neste momento.